terça-feira, 11 de maio de 2010

Viagem...


O som de um Bulbul Tarang começa a fazer-me mover. Os meus pés, antes como que cimentados ao chão, erguem-se sem esforço e acompanham o ondolamento do resto do corpo. Tenho uma estranha vontade de me mover para oriente, talvez em busca da origem das notas que me envolvem. Desta melodia a qual o meu corpo deixa de obedecer à mente e flui livre.
O ritmo eleva-se fazendo galopar a pulsação para níveis supostamente inatingíveis, porém eu alcanço-os e nesse preciso momento sinto-me a abandonar a terra, ficando cada vez mais perto das nuvens. Estas sorriem num cumprimento de quem há muito me espera, eu retribuo dançando com elas. Sons mais ocidentalizados de violino trazem um velho conhecido para esta dança, o vento, o que nos impele para o meu destino.
Estou agora sobre terras geladas onde nasceram e morreram os ideais de igualdade. E de onde emerge uma força sugadora de “realidade” que me parece puxar para terra. Caio, caio drasticamente em direcção ao solo, às obrigações, as reprimendas, aos olhares desconfiados, aos rostos sisudos. E numa fracção de segundo despeço-me para sempre do sonho…
Mas para mim, sempre e nunca, são palavras que não existem.
Abro os braços soltando uma gargalhada audível em todo mundo e sou automaticamente amparado pela natureza, por 4 corvos lindíssimos que me mostram a vida presente também nos lados negros, eles devolvem-me a onde pertenço e volto a dançar entre as nuvens.
O vento apressa-me, fecho os olhos, rodopio mais rapidamente do que poderia sequer imaginar e quando volto a erguer a pálpebras ali estou eu. No meu destino. Islamabad, terra onde foram vertidas demasiadas lágrimas e demasiado sangue. Mas também onde surgiu o instrumento que originou esta viagem.
Cheguei a casa, assombrado pelos monumentais Palácios e acolhido pelas tendas de vendedores ambulantes. Um deles abraça-me e os seus braços injectam-me nas veias a informação para onde devo ir. Volta o som do Bulbul Tarang e corro com todas certezas, naqueles becos, onde se amontoam peças de cobre com porções de ópio e ecoam regateamentos de preços.


Eis que surge uma porta vermelha.
É aqui que me dirijo, eu sei. Abro-a e músicos aos quais apenas distingo os vultos começam a tocar.
Um sábio acena-me e entrega-me um pau de incenso que diz ser mágico. Guardo-o e começo a dançar. Passam-se horas e não me sinto nem um pouco cansado. È como que cada nota me desse mais e mais energia. Cada música me oferecesse um pouco mais de vida e sinto ser imortal ao dançar.
A dada altura o Bulbul Tarang fica mais forte, e mais, e mais, de tal forma que apenas o ouço a ele, Apesar de todos instrumentos continuarem a tocar, decido instintivamente pegar no pau de incenso e acende-lo. A sua incandescência é tão intensa que me hipnotiza e deixo de controlar por completo o meu corpo. Eu que nunca soube desenhar pareço começar a traçar um corpo enquanto danço.
È um corpo Feminino distingo agora claramente, com todas a proporções correctas, e que esvoaça em harmonia com a Música. Possui um sorriso brilhante, provocador que parece conduzir o olhar para todo corpo. Não consigo parar de sorrir ao sentir a liberdade daqueles movimentos, ao mergulhar na sensualidade das oscilações daquele corpo. Entendo agora que não fui eu que a criei, ela apenas me foi apresentada neste dia em que resolvi ser livre.
Danço com ela, sentindo o prazer da liberdade, sussurro o quão bem me sinto e sincronizamos brilhos de olhares…ela não pertence a nada se não ao mundo e eu, bem eu aprendo a encontrar o mesmo caminho.
Beijo-a na mão e digo um tchau, pois detesto adeus, por hoje abandono-a mas a minha alma reclama quer ser mais dias livre com aquele ser pincelado na tela pela música e encarnado na terra por sorrisos.