segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Eu, novo

“És preconceituoso!” Duas palavras que se transformam em armas, uma machadada no meu pescoço, uma bala na garganta, um soco no peito, uma granada no estômago. Porém qualquer destes engenhos é accionado por mim, no preciso momento em que sinto, “é verdade”, nada de injustiças, de raivas, incompreensão. Apenas a dura aceitação da culpa, sentindo-me como que um assassino que no momento em que é lida a sentença, e o juiz diz “culpado” se apercebe que realmente matou alguém. Neste caso cometi o meu próprio homicídio.

Há exactamente um ano atrás tive uma conversa deliciosa, não devido ao bolo de chocolate que a acompanhou, nem pela beleza de quem estava do outro lado da mesa mas porque me fez perceber ter adquirido plenamente o princípio que há muito regia a minha vida. Aprender com cada partícula que se cruze comigo. Nos meses anteriores e posteriores, conheci uma primavera de pessoas, às vezes dezenas delas por dias. Fui capaz de discutir tudo de uma base livre expondo, oferecendo, ouvindo e adquirindo ideias e perspectivas, construi-me e fui feliz.

Porém quanto mais cresci também se adensou em mim, outra coisa, outro sentimento, mais invernil, mais frio, o medo. Medo que tudo um dia acabasse, um pavor congelante de deixar de ser um vampiro emocional, capaz de se alimentar dos sorrisos e dos conhecimentos das pessoas com que se cruza. O vampiro tornou-se predador, em busca de sorrisos que o confortassem, quis sentir ser especial e viciou-se em elogios. Mas os vícios são sempre perigosos e quanto mais elogios recebia, mais era o medo de os perder, Tremia apenas a pensar que poderia deixar de fazer as pessoas felizes e sem reparar passou a tentar esconder imperfeições. Apenas queria criar sorrisos nas pessoas, nada de lágrimas. Sem se aperceber quis ser perfeito.

E com isto os meus dias passaram a ser programados, duas horas na faculdade que “mete nojo”, depois vou ate aquele jardim onde está o palhaço que me faz sorrir, passo pelo lusitano onde terei uma conversa filosófica extremamente agradável, vou para casa e escrevo um texto a falar de como é bom aprender…Mas aprender o quê? Que aprendi eu num dia totalmente orientado e onde procurei momentos interessantes indo a locais onde acharia que eles estariam? Foi assim que aprendi o que sei? Foi assim que partilharam comigo maravilhas que mais tarde foram partilhadas por mim, e assim sucessivamente criando uma verdadeira corrente de felicidade?

Não sei como, mas esqueci-me que a Faculdade que mete nojo, me trouxe a pessoa mais importante da minha vida, trouxe o amor ao teatro, trouxe-me a alegria de dançar. Esqueci-me que as conversas filosóficas extremamente agradáveis no Lusitano, nasceram muitas vezes em tabernas onde entrei para beber uma água e frases como “nós somos bêbados, não acredita? Apenas bêbados falam de política seriamente”, entraram em mim, criando a certeza de ter que conhecer o seu autor. Esqueci-me até, que o palhaço só me faz sorrir, quando eu não sei que ele esta lá e surge inesperadamente.

Não acontece nada novo, mas não acontece não por culpa do mundo estar parado, das coisas bonitas fugirem, do Sócrates ser primeiro-ministro, de a Maddie não aparecer ou até de haver uma conspiração mundial contra mim. Não acontece nada novo porque quis esconder imperfeições, quis ser eu a programar a felicidade, e ela é livre só vem quando e como lhe apetece. Procurei tanto a loucura que a minha mente ficou sã. E mais perdi aquela que era a minha maior qualidade, a vontade incessante de aprender e transmitir o que aprendi, o abrir os braços a qualquer pessoa e inspirar tudo que ela tem para dar. Sem medos, partilhando tudo que há de belo e de monstro em mim. Nunca quis ser perfeito, isso não existe, é tão falso como a palavra sempre, outrora quis aprender e melhorar, corrigir defeitos. E só agora percebi que ao apagar os defeitos, em vez de analisá-los, discuti-los e aprender com quem já os teve, tem, ou até os repudia. Me fez também apagar aquilo que tenho de bom, aquilo que realmente me tornava interessante. Ser capaz de aprender com cada partícula que se cruze comigo, não procurar nada dos dias, estar simplesmente aberto ao que eles têm a dar.

Tive exame hoje de manha, não correu muito bem. Estudei pouco. Quando saí encontrei o Sérgio cá fora. O Sérgio é um rapaz da faculdade que “mete nojo”, mas com quem pouco fui falando ao longo do tempo, nos últimos meses talvez duas ou três vezes. Nunca passou do “olá tudo bem?”, “então tens ido a muito concertos?”, sempre tive mais apressado em busca de não sei o que…mas hoje deixei que ele fosse além do “o exame correu bem?” e o resultado, foi a conversa acabar 3 horas depois, após gargalhadas, partilhas de experiencias em concertos e debate a cerca dos milhares de estilos de metal existentes. Saí da faculdade, sem antes não deixar de reparar, que apesar de feia, ela até tem uns jardins engraçados, não sabia muito bem para onde ia, não queria saber. O meu corpo dirigiu-se até dois livros, com a correspondência de Fernando Pessoa que passaram a ser minha pertença, depois foi até um café onde a minha falta de habilidade em abrir a porta, me levou a conhecer o João. O João é um estudante de filosofia, lia Nietzsche quando lá cheguei, Nietzsche é o meu filósofo favorito, o dele é Kafka. Expliquei que nunca tinha entendido o fascínio por Kafka, e que certas coisas nele me pareciam ate verdades de La Palice. Ao que ele contrapôs dizendo que também lhe acontecera isso em Nietzsche e que por isso é que andava a lê-lo muito, para compreender o fascínio, e que achava que começava a perceber. O João teve que se ir embora mas deixou-me a sorrir, vi na vontade de compreender dele o que eu já fui. O resto do dia, trouxe-me um semi-frio de caramelo, a Joana (a tal pessoa mais importante da minha vida, que conheci na faculdade, que se calhar até nem mete nojo), a amiga da Joana que também se chama Joana, uma avaria de comboio e um beijo na testa da minha mãe.

E sabem, senti-me bem. Não só em momentos do dia, mas em todo ele. Não correu como esperava, porque dele nada esperava. Não teve momentos lindos, teve momentos normais, que acontecem em dias normais, tal como os momentos bonitos. Hoje quando for dormir saberei novamente o que é um dia a sorrir, sem pensamentos desnecessários. Mais saberei que, não de um dia para o outro é certo, mas que com os dias, recuperarei a minha curiosidade e vontade de aprender. Deixarei acima de tudo de ter medo dos defeitos, pois eu não sou perfeito, nem quero ser. Só quero mesmo ser eu, haverá quem goste, haverá quem não goste.
Mas acima de tudo eu voltarei a gostar de mim.