sábado, 15 de novembro de 2008

Jardim dos loucos

Balouça diante de mim a cabeça de uma pequena rapariga. Está apenas a ouvir musica, por sinal de qualidade duvidosa, porém esta imagem transporta-me para uma outra estranha, mas agradavelmente familiar.
Os meus pés atravessam diariamente um lugar, afundando-se no pântano sensitivo que a ele está inerente. Hoje resolvo parar, injectar-me com todas as essências que podem ser daqui extraídas e viajar por cada rosto do jardim dos loucos. Este é o único local sombrio perfeitamente iluminado, numa simbiose impossível se não num local, onde a sanidade é esquecida e apenas é permitido ser-se humano.
Decido me sentar então. Este jardim polvilhado por bancos, mas onde poucos estão ocupados devido a talvez quem o atravessa acredite que é neles que reside toda a loucura, serve de local de repouso, para umas pernas desgastadas de caminharem num mundo que não é delas.
A primeira face que vislumbro é a de um velho, digo velho pois é desprovido daquele ar simpático que quase todas pessoas com uma certa idade adquirem. Este tem olhos cor de sangue, roupa invernal num dia quente e as mãos negras e cortadas seguram um pão, que não deve ter menos que 8 dias. Porém ele partilha-o, comendo tanto quanto dá a três pombos e associado ao olhar esfomeado que detém começo a sentir simpatia por este homem. Ele resolve me surpreender cantarolando uma música popular sobre o destino, e solta numa voz que deveria ser audível no mundo todo “Destino? Seria meu destino ser um louco?”
“ Todos somos para eles”, revela uma voz feminina, referindo-se aos figurantes deste jardim, as pessoas que o atravessam, sem sentir a sua magia. Esta mulher passa a prender-me a atenção, e reparo que anda a volta da maior arvore, ela conta algo, mas não consigo perceber o quê. Levanto-me, aproximo-me e então entendo, “hoje caíram 200 folhas Joana”. O nome que atribui, num acto maternal, relembra-me alguém cuja sua árvore é de folha caduca, como a minha, alguém que vê o jardineiro, e não esta louca, levar-lhe as folhas caídas do local onde algo novo nascerá. Talvez esta mulher se reveja na Joana, e veja dia após dia folhas caírem, mas mantenha a esperança que a primavera regresse. Pobre mulher tenta que a árvore se agarre á vida, para florescer uma vez mais, embora o seu olhar indique que o seu interior acredita que não passará mais um inverno.
Subitamente sou abordado por duas crianças com quem habitualmente me cruzo num percurso diário, e me colocam uma questão “também és louco?”. A voz pareceu-me em tom de brincadeira, mas os seus olhares transferiram genuinidade á pergunta que só uma criança consegue ter. Não sabendo a resposta a tal pergunta disse “digam vocês” .”Não sabemos, os nossos pais dizem que quem está neste jardim é louco, mas tu não pareces louco, pareces uma criança curiosa como nós”.
Esta frase plena de doçura infantil torna espelhados os meus olhos, fui reconhecido como um deles, por parte dos mais belos seres da terra. Ponho então estes dois geniozinhos, nos meus ombros, e resolvo ir ter com as pessoas que observei enquanto ali estive. Elas apresentam-se receosas, mas rapidamente tornam-se receptivas aos sorrisos infantis. Sentamo-nos e inconscientemente surgem histórias de aventuras vividas e sonhadas sempre com o mesmo calor transmitido pela fogueira, que é aquela grande árvore de folhas vermelhas.

E assim o jardim dos loucos, se tornou o jardim das crianças